segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Well, eis o nosso começo.


Música: Marcelo Jeneci - "Pra sonhar"

Com certeza, neste instante, a voz emudeceria, o olho perderia o foco, não seria possível continuar. Felicidade não se conta. Pedrinha rara colada ao fundo de um caleidoscópio, subitamente, atingido pela luz. É impossível aprisioná-la, dissecá-la, encher um parágrafo com ela. Entretanto, o que digo? Só posso saber que fomos felizes quando tudo já se encerrou em mais um ciclo vago, mais uma cena-neblina de um tempo perdido.
Aqueles primeiros momentos de felicidade, chuva, muita chuva, e certa inquietação. Naqueles dias, ela me leu uma anotação solta, dizia: o amor inclui outra vez medos esquecidos, mofados dentro da gente, o amor os pega, expõe novamente tudo ao sol. Isso, ela explicou, porque quando nos conhecemos, na semana seguinte, o tempo fechou completamente. Ela enxergava alguma coisa mágica aí: nos conhecemos, ficamos, fazia um sol excessivo, em seguida, a cidade entrou num período chuvoso imprevisto. Mas que poderíamos extrair da temporalidade senão pequeninas impressões?
Nem tudo, entretanto, era embalado pela chuva, também aconteciam impasses ou conversas esdrúxulas. Às vezes, ela me questionava a sair do casulo:
— Jamais adivinho se você quer beijos ou puramente silêncio.
Noutras passagens, notava-a desolada, arranhando-me, como se fosse uma gata triste. Eu me desconcertava:
— É que me perco.
— Ah — ela repetia. — É que você se perde. Entendo...
— Podemos ir a algum lugar, se você quiser.
— Lugares são o de menos.
— O problema é pegarmos um resfriado com esse tempo.
— São banais, os resfriados são banais. Vivo resfriada desde que nasci. Essa obsessão das pessoas com a saúde, no fundo, é desimportante.
— O que importa então?
— O seu amor de horas.
Mas depois, quase imediatamente, ela desfazia o impasse, assumindo um tom mais suave:
— Podemos ir aonde você quiser, meu amor.

domingo, 11 de dezembro de 2011

ei, menina
o perigo ronda a sua casa. a vida e a morte que nos habitam. o perigo ronda a sua casa.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Não era dado a sadismos, ela sabia. Mas, de uns tempos pra cá, ele habitava seus sonhos fazendo coisas absurdas. Essa noite, por exemplo, sonhou que havia dado as unhas para ele aparar, só porque não gostava de unhas tão grandes.

Eis que o inacreditável aconteceu: não satisfeito em cortar-lhe as unhas, arrancou-lhe, também, os dedos.
"Eu sou a desintegração"

''Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminando a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.''








(Por Frida Kahlo)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Levou três tiros em
noites distintas;
morreu três vezes
a mesma morte.

Quem a matava?
Talvez ela própria,
talvez a voz
de origem vaga,

talvez o medo
de tudo e nada.
Correu sem rumo,
clamou, pediu,

derrotadíssima


quis perguntar
sabendo a réplica:
dilacerante
luz necessária.

domingo, 27 de novembro de 2011




Stevie Jackson - "Bird's Eye View"


"Now the sun shines through the broken glass
"



Na foto, Leu Abdon.
Passei o dia assim: escrevendo e apagando, tentando controlar, aceitar o imponderável. Falar não é a mesma coisa que escrever: tenho fugido de compromissos com a realidade. Imaginar não é o mesmo que saber. Apesar dos medos, volto e escrevo porque foi assim que me conheci.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

domingo, 13 de novembro de 2011

- Meu problema nem é amoroso. É existencial...
- Ah, mas problemas existenciais o mundo inteiro tem.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

- Autopsicopoliciamento.
- O termo é horroroso.
- (…).
- Desculpe, ando uma amargura só.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O mundo gira porque não sabe dançar.



Na foto, Leu Abdon.

Talita, who?

Aos cinco anos de idade era alta demais em relação às meninas da minha idade. Confundia meus pais e meu irmão sempre que, ao contar uma novidade, começava dizendo "não sei se sonhei, pensei ou inventei".

Não, não sou sempre uma moça triste e doente que baila pelo salão sozinha. Estava, antes, no lugar errado e, por isso aquelas dores no corpo. Tenho gostado bastante da minha última farsa: a menina livre, preocupada apenas com unhas descascadas, ignorando o mal do mundo, sempre de férias do peso de ser quem é. Talvez isso explique porque não tenho sentido mais medo da mediocridade: ela possui uma encantadora leveza, uma enorme indiferença às indelicadezas dos outros.

Numa noite insône, me veio a cabeça que tudo o que escorrega pelo cérebro, pelo coração e pelo útero, femininamente se transforma nos sonhos daquela menina que não gostava de ser criança, que sempre foi alta demais em relação às meninas de sua idade. “Uma menina grande”, como dizia minha mãe.

Hoje, aos 25 anos, nunca deixei de ser uma menina grande. Não sei se sonhei, pensei ou inventei, mas, tenho cereteza, no dia em que eu for embora, direi que irei passar férias em Vênus exatamente no dia da sua conjunção com Saturno. De qualquer forma, guarde meu paradeiro como um segredo...

...Não é bom revelar tudo aquilo que mora no nosso coração.

Gui,

Você sempre foi muito espirituoso e independente - talvez por isso, eu seja apaixonada pelo seu humor libriano. Até hoje morro de rir quando lembro daquela vez em que te indiquei “A Metamorfose” para ler, explicando que era um livro complicado. Pura ilusão. Além de gostar e de tecer críticas, você brincou dizendo que se ele tivesse sido escrito por mim, acharia uma porcaria. E acrescentou: “te admiro como artista, mas não tenho coragem de ler o que você escreve, porque pra mim você sempre será minha bonequinha boba e amarela”.

Recentemente descobri que em todas as tardes de folga que passamos juntos acabamos criando um mundo secreto de histórias fantásticas e apelidos malucos.

E já que não posso estar presente no dia de seu aniversário, limito-me apenas a repetir o que você escreveu no seu convite de formatura:

"À minha boneca boba - mas já estou quase agradecendo a mim mesmo - te amo."

Pra você um punhado de estrelas e a eterna magia do verbo existir.

Fique com um beijo meu,
Talita.


(Para Guilherme Souza - em 29 de setembro)

terça-feira, 18 de outubro de 2011




Camera Obscura - "Super Trouper"


(Por Clarice Lispector)

Bem sei que é uma vaidade dizer em plena primavera que eu sei o que é primavera. Às vezes porém sou tão humilde que os outros me chamam a atenção. É uma humildade feita de gratidão talvez excessiva, é feita de um eu de criança, de susto também de criança. Mas, desta vez, quando percebi que estava humilde demais com a alegria que me era dada pela vinda da primavera chuvosa, dessa vez apossei-me do que é meu e dos outros.

Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar, que talvez seja o meu próprio pólen, sinto estremecimentos à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou viva. A primavera torturante, límpida e mortal que o diga, ela que me encontra cada ano tão pronta para recebê-la. Bem sei que é uma perturbação de sentidos. Mas, por que não ficar tonta? Aceito esta minha cabeça à chuva tremeluzente da primavera, aceito que eu existo, aceito que os outros existam porque é direito deles e porque sem eles eu morreria, aceito a possibilidade do grande Outro existir apesar de eu ter rezado pelo mínimo e não me ter sido dado.

Sinto que viver é inevitável. Posso na primavera ficar horas sentada fumando, apenas sendo. Ser às vezes sangra. Mas não há como não sangrar pois é no sangue que sinto a primavera. Dói. A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

seguir em frente nem sempre é avançar.



mas a minha mensagem sobre a vida e a fotografia é curta e doce:
"mantenha a simplicidade".

(Para Rick Van Pelt)
Se não fosse por esse azul celeste, pela atmosfera marinha, pelo longo e belo desenho da costa se prolongando nas curvas da orla de Salvador, esta cidade estaria definitivamente perdida.

domingo, 16 de outubro de 2011

o passado é agorinha

(Por Ana Guadalupe)


a solução para os desastres do presente
é falar do agora com o distanciamento de uma década
dias de tardes longas ou infinitas semanas

recortar o agora e mandá-lo em carta histórica
para outro continente enquanto se descobre este
cria-se um tempinho para que o conheça com calma

aplicar um filtro de antiguidade no agora
empregar tecnologia, tempo verbal e a colaboração de todos
grato, ass: o síndico

ótimo álibi para tudo dizer sem problema:
“ontem gostei muito deste livro sobre o sucesso na vida noturna”
“pensei em você durante horas, já passou caso não queira”
“do contrário confesso que tudo continua”

qualquer besteira será automaticamente redimida
já faz tempo, tudo muda, você pode ser nova pessoa
o que falei há pouco já está na quinzena passada
há uma linha era ok ser idiota

sábado, 27 de agosto de 2011

No dia em que você
Entrou
pelo meu nariz
Numa gota
De lágrima
Ou de suor
Senti um gosto
Salgado

E deu no hemograma
completo
a sua fotografia
perdida
na minha
correnteza
sanguínea

Depois
nunca mais
Saiu de mim.

sábado, 20 de agosto de 2011

Eu sei, mas não devia

(Por Marina Colasanti)

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

[...]

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Dudinha, empolgada, veio me contar da relação de filmes que havia assistido no final de semana. Inocentemente, compartilhei da sua empolgação:

- Dudinha, você tá uma cinéfila, hein?


A menina fez biquinho, franziu a testa e eu quase ganhei um olho roxo guaxinim modelo outono/inverno.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

soños



Eu caminhava com uma menina num gramado bem verde e muitos arbustos, num dia ensolarado. Alguns jardineiros podavam os arbustos, enquanto ela me contava que um amigo querido andava exagerando nas loucuras. Queria comer flores, entre outras maluquices. Eu nunca tinha visto a menina, mas sabia que ela era amiga dele e que ele realmente seria capaz das maluquices que ela contava. Não sei como, depois descobri que estávamos passeando num cemitério,




mas não vi lápides nem túmulos nem
nada.




Fazia um bom tempo que eu não lembrava dos meus sonhos. De repente, essa semana, lembrei desse aí. E decidi suspender o leite antes de dormir. E voltar a tomar Maracujina.

domingo, 14 de agosto de 2011

Bru

Destino, magia negra, amigos de amigos me fizeram conhecer Bruno - pra mim, only Bru.

Ontem ficamos a sós na casa dele - ele havia me prometido um almoço que, na realidade, foi mais uma trouxa de comida que ele foi misturando ao arroz branco cozido por mim.
Sob os efeitos anestésicos e narcotizantes de um vinho argentino.

Puerto Madero.

Tatá e Bru debruçados no rio-mar - que era a varanda dos nossos delírios,
Bebel Gilberto cantando So Nice (Summer Samba).
Nós dois cantarolando Last Goodbye.
Desesperar jamais. Não importa o que você quer da vida. Acredite, você encontra.
Quando fui a casa do Bru e ele se lembrou daquela pergunta - segundo ele, capciosa:
- Cara, como você descobriu que era gay?

E séculos depois, ele me responde:
- É que, antes daquilo que você chama de descoberta, eu não sabia que encontraria garotas iguais a você, baby...



The end.

2051

Juntos há mais de quarenta anos. Alguns ruins, outros tantos para lá de bons. O entusiasmo do começo foi embora. Já não bebemos tanto juntos e nem sentimos aquela urgência em arrancar nossas roupas toda noite. O sexo é bem pouco, mas o erotismo não. Acredita que ele continua comprando girassóis para mim? Sempre escolhe os maiores, quase comestíveis. E eu adoro, acho muito sexy. Passamos cada vez mais tempo juntos e conversamos muito. Às vezes, ele fala em um tom acima do necessário. Tudo bem. Eu já entendi que para cada assunto, ele sustenta uma tese própria. E discorre sobre o tema como alguém que realmente sabe do que se trata (mesmo quando não tem nem uma leve ideia). Eu gosto de vê-lo tomar banho e ele me agrada cantarolando aquela música que eu sempre gostei. Depois, nós rimos muito. Se ele for embora, acho que ensurdeço para não morrer. Não suportaria ouvir a porta se fechando.










Em 2051, em algum canto da minha memória.

sábado, 13 de agosto de 2011

Na minha cabeceira tem aquela foto preferida com toda minha família num lindo jardim. Apesar de estar todo mundo com aquela cara assim, meio estática - modéstia à parte, eu era a mais natural, uma top aos quatro anos de idade - aquela é minha favorita. Do outro lado da cama, Hilda Hilst se contrapõe a essa harmonia, e fala de solidão (em júbilo, memória, noviciado da paixão). Rubem Fonseca conta contos em Lúcia McCartney. Mais uma vez contraponto, sexo e trapaças. E a família no outro lado, congelada no tempo, cheia de dignidade num jardim muito verde, e suponho florido.

Eu durmo tranquila.

Entre extremos me sinto o ponto de equilíbrio.

Menino-amor.

Ciência exata.
vontade de resistir vivendo
alegria saudável. gratidão infinita
Olhos nas mãos e
tato no olhar. Limpeza
e maciez de fruta. Enorme
coluna vertebral que é
base para toda a estrutura
humana. Um dia veremos, um dia
aprenderemos. Há sempre coisas
novas. Sempre ligadas à
antiga existência.
Alado - Meu Diego meu
amor de milhares de anos.
Sadga. Yrenáica
Frida.
DIEGO"

(Diário de Frida Kahlo - 09 de novembro de 1951)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Junho vai se esquivando. Na falta da guerra de espadas na minha cidade, uma procissão de guarda-chuva para São Pedro na Avenida Sete. Quando Jesus passar, eu estarei no meu lugar. Pessoas sorridentes tocando com dedos o filó azul, que era o mar delas. Em vez da guerra de espadas, a paz de copas. Eu acompanharei a procissão, com meu guarda-chuva azul e o meu vestido de cassa bordada, quadriculado verde, amarelo e branco, que mais parece uma toalha de mesa. E o vestido fica mesmo lindo com minha bolsa nova de palha, toda colorida horizontalmente.
E eu sou uma quadrilha, uma árvore de natal, a Rainha do Milho, uma alegria na passarela.

Ai, junho...como gosto de ti!
E não há imagem para isso tudo.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

here

Há o bruxo magro, a coluna vertebral que come a cinza dos deuses. E a menina que depila os pelos e se pinta de mariposa cor-de-rosa. E um príncipe miudinho que sabe respirar por um narina só. As mosquinhas assistiram todo o filme e foram dormir nos seus travesseiros dentro dos mosquiteiros de nylon. Um pássaro aponta os pontos cardeais e já é inverno na cidade.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Guilherme

Ele tem cara de bom moço, ar aristocrático e um sorriso mais indecifrável que o da Mona Lisa.

Ele sabe o que é quiromancia, empirismo e páprica. Ele sabe cantar duas músicas do Roberto. Ele sabe mais da vida cotidiana dos Simpsons - e toda Springfield - que o Matt Groening. Ele dirige de um jeito esquisito, mas eu nunca comentei nada.
Guilherme é o melhor ex-namorado do mundo e meu maior caso de amor.
Ele é o meu domingão de sol. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado também.

sábado, 18 de junho de 2011


(hoje em dia os dicionaristas me emocionam mais do que os poetas.)


Num livro de gramática de mil novecentos e setenta e cinco, encontro dois papéis soltos: as letras de meu pai e de minha mãe, aprendendo as conjugações do verbo vir e amar e os tipos de pronomes em português e uma tentativa de saber se ansiedade é com “s” ou com “c”.

Na letra da minha mãe: eu amo, tu amas, ele ama. eu venho, tu vens, ele vem. Eles estavam aprendendo gramática. Não sei exatamente o porquê e, na verdade, acho que não quero saber, mas essas conjugações, como diria o Drummond, me emocionam como o diabo.



Como uma foto,
a vida,
sem saída, aqui,
se apaga a lua,
acaba e continua.

(Inferno - Arnaldo Antunes)



"Ali, suspiros, queixas e lamentos cruzavam-se pelo ar, na escuridão, fazendo-me hesitar por uns momentos.
Línguas estranhas, gírias em profusão, exclamações de dor, acentos de ira, gritos, rangidos e bater de mão."


(O Inferno - Dante Alighieri)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Antes eu tentava explicar, mas não conseguia. Então eu dizia simplesmente que gostava de umas historinhas sem pé nem cabeça. Filme, livro, o que viesse. Alguns acusavam, era tipo. Não é possível alguém gostar desse negócio. Meus amigos sempre foram compreensivos, porém cautelosos: se Tatá sugeriu, melhor checar antes, ela gosta de umas coisas esquisitas... Só depois descobri o nome daquilo que exerce tamanho fascínio sobre minha pessoa: o universo onírico. No dicionário "onírico" consta como adjetivo relacionado a sonhos. Esse universo refletido em qualquer forma de arte, dá aquela sensação que mistura sonho e realidade. Não se sabe o que é delírio, alucinação, o que é real. Quando a gente é criança esse é o nosso mundo. Melhor dos mundos. Daí a gente vai crescendo e sapato é só sapato mesmo, travesseiro é aquilo em que a gente apoia a cabeça pra dormir (ou ter insônia), e ai! daquele que ousar inventar ou subverter a palavra. Se não tiver licença poética ou for um Rubem Braga consagrado, é taxado de bobo. Meu vício começou com uma série do David Lynch, que passou (e não terminou) na Globo chamada Twin Peaks. A trama girava em torno do assassinato de uma garota tipo team leader, na pacata e fictícia Twin Peaks. Poderia ser a trama de qualquer filme ordinário, mas aquele era original porque tinham as cortinas de veludo vermelho, o anão que dançava de um jeito bizarro, uma trilha sonora meio new age, tudo tão pertubador e fora do lugar. Pra quem odeia narrativas sem linearidade ou lógica, esse universo de sonhos é um pesadelo. Pra quem se sente atraído e não deixou fechar todos os chacras, recomendo.


domingo, 5 de junho de 2011

Outro dia senti frio. Frio na alma. Parece que faz pouco tempo, senti o outono se acentuando nas coisas, nas pessoas, no mar de Salvador que de azul se torna cinza. Aquele frio de quem sente o inverno chegando depressa, sabe? Mas não te preocupa - suedehead, diria Morrissey - o que acontece é sempre muito natural.

Hoje, sinto o outono dourado de folhas caídas na Praça do Campo Grande. I am happy now. Tô morando, trabalhando, estudando, amando. Vivendo plenamente estes, que são os quatro foles que sustentam a vida. Tá tudo sendo tão legal, um legal merecido, de pernas e costas doendo, mas coração tranquilo.

Com essa maré a favor, tenho mantido a escrita de lado. Penso que não devo deixar isso paralisar o que eu mais gosto de fazer. De qualquer forma, tenho fotografado. Tenho nutrido uma paixão imensa pelo cotidiano. Pelo rotineiro. Tenho estudado sobre cores e flores, ervas mágicas e macrobiótica. Talvez essa seja minha forma de acalmar essa vontade de ir embora que, vezenquando, tenta me sugar pra baixo. Mês que vem estarei de férias, e com a viagem marcada pra Curitiba. Queria muito ir ao Rio te visitar, te fotografar - agora com novas perspectivas - mas você sabe que tenho planos (muitos) e todos, como tudo na vida, envolvem dinheiro. De qualquer forma, sinto saudades daqueles tempos em que inventávamos milhões de significados pro que é a felicidade. Hoje, mais do que nunca tenho visto a felicidade todos os dias pela janela do ônibus ou pela varanda do meu quarto. Te contei que ganhei um quarto com varanda? Aproveito o espaço pra cultivar plantas que ganho dos amigos. A primeira a me presentear foi Dani, que me deu um vazinho verde com magnólias rosas. Isso foi tão lindo que, outro dia, sonhei que estávamos debaixo de uma árvore corregada de magnólias cor-de-rosa. As vezes, a árvore se confundia com um Ipê branco, coisas que só Freud explica.

Queria sonhar com amorinhas. Mas ando tão cansada que sonho pouco. E já que não sonho enquanto durmo, aproveito pra sonhar nas minhas idas ao trabalho ou nos domingos que tiro pra fotografar no parque.

Fiz um sorvete de chocolate e lembrei de você. Senti essa necessidade de escrever. É que, às vezes, sinto uma falta aguda de você, amorinha.

Fique com um beijo meu.


"Eu me sinto superfeliz quando encontro uma pessoa tão confusa quanto eu."