sábado, 27 de agosto de 2011

No dia em que você
Entrou
pelo meu nariz
Numa gota
De lágrima
Ou de suor
Senti um gosto
Salgado

E deu no hemograma
completo
a sua fotografia
perdida
na minha
correnteza
sanguínea

Depois
nunca mais
Saiu de mim.

sábado, 20 de agosto de 2011

Eu sei, mas não devia

(Por Marina Colasanti)

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

[...]

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Dudinha, empolgada, veio me contar da relação de filmes que havia assistido no final de semana. Inocentemente, compartilhei da sua empolgação:

- Dudinha, você tá uma cinéfila, hein?


A menina fez biquinho, franziu a testa e eu quase ganhei um olho roxo guaxinim modelo outono/inverno.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

soños



Eu caminhava com uma menina num gramado bem verde e muitos arbustos, num dia ensolarado. Alguns jardineiros podavam os arbustos, enquanto ela me contava que um amigo querido andava exagerando nas loucuras. Queria comer flores, entre outras maluquices. Eu nunca tinha visto a menina, mas sabia que ela era amiga dele e que ele realmente seria capaz das maluquices que ela contava. Não sei como, depois descobri que estávamos passeando num cemitério,




mas não vi lápides nem túmulos nem
nada.




Fazia um bom tempo que eu não lembrava dos meus sonhos. De repente, essa semana, lembrei desse aí. E decidi suspender o leite antes de dormir. E voltar a tomar Maracujina.

domingo, 14 de agosto de 2011

Bru

Destino, magia negra, amigos de amigos me fizeram conhecer Bruno - pra mim, only Bru.

Ontem ficamos a sós na casa dele - ele havia me prometido um almoço que, na realidade, foi mais uma trouxa de comida que ele foi misturando ao arroz branco cozido por mim.
Sob os efeitos anestésicos e narcotizantes de um vinho argentino.

Puerto Madero.

Tatá e Bru debruçados no rio-mar - que era a varanda dos nossos delírios,
Bebel Gilberto cantando So Nice (Summer Samba).
Nós dois cantarolando Last Goodbye.
Desesperar jamais. Não importa o que você quer da vida. Acredite, você encontra.
Quando fui a casa do Bru e ele se lembrou daquela pergunta - segundo ele, capciosa:
- Cara, como você descobriu que era gay?

E séculos depois, ele me responde:
- É que, antes daquilo que você chama de descoberta, eu não sabia que encontraria garotas iguais a você, baby...



The end.

2051

Juntos há mais de quarenta anos. Alguns ruins, outros tantos para lá de bons. O entusiasmo do começo foi embora. Já não bebemos tanto juntos e nem sentimos aquela urgência em arrancar nossas roupas toda noite. O sexo é bem pouco, mas o erotismo não. Acredita que ele continua comprando girassóis para mim? Sempre escolhe os maiores, quase comestíveis. E eu adoro, acho muito sexy. Passamos cada vez mais tempo juntos e conversamos muito. Às vezes, ele fala em um tom acima do necessário. Tudo bem. Eu já entendi que para cada assunto, ele sustenta uma tese própria. E discorre sobre o tema como alguém que realmente sabe do que se trata (mesmo quando não tem nem uma leve ideia). Eu gosto de vê-lo tomar banho e ele me agrada cantarolando aquela música que eu sempre gostei. Depois, nós rimos muito. Se ele for embora, acho que ensurdeço para não morrer. Não suportaria ouvir a porta se fechando.










Em 2051, em algum canto da minha memória.

sábado, 13 de agosto de 2011

Na minha cabeceira tem aquela foto preferida com toda minha família num lindo jardim. Apesar de estar todo mundo com aquela cara assim, meio estática - modéstia à parte, eu era a mais natural, uma top aos quatro anos de idade - aquela é minha favorita. Do outro lado da cama, Hilda Hilst se contrapõe a essa harmonia, e fala de solidão (em júbilo, memória, noviciado da paixão). Rubem Fonseca conta contos em Lúcia McCartney. Mais uma vez contraponto, sexo e trapaças. E a família no outro lado, congelada no tempo, cheia de dignidade num jardim muito verde, e suponho florido.

Eu durmo tranquila.

Entre extremos me sinto o ponto de equilíbrio.

Menino-amor.

Ciência exata.
vontade de resistir vivendo
alegria saudável. gratidão infinita
Olhos nas mãos e
tato no olhar. Limpeza
e maciez de fruta. Enorme
coluna vertebral que é
base para toda a estrutura
humana. Um dia veremos, um dia
aprenderemos. Há sempre coisas
novas. Sempre ligadas à
antiga existência.
Alado - Meu Diego meu
amor de milhares de anos.
Sadga. Yrenáica
Frida.
DIEGO"

(Diário de Frida Kahlo - 09 de novembro de 1951)