Na foto, Leu Abdon.
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Talita, who?
Aos cinco anos de idade era alta demais em relação às meninas da minha idade. Confundia meus pais e meu irmão sempre que, ao contar uma novidade, começava dizendo "não sei se sonhei, pensei ou inventei".
Não, não sou sempre uma moça triste e doente que baila pelo salão sozinha. Estava, antes, no lugar errado e, por isso aquelas dores no corpo. Tenho gostado bastante da minha última farsa: a menina livre, preocupada apenas com unhas descascadas, ignorando o mal do mundo, sempre de férias do peso de ser quem é. Talvez isso explique porque não tenho sentido mais medo da mediocridade: ela possui uma encantadora leveza, uma enorme indiferença às indelicadezas dos outros.
Numa noite insône, me veio a cabeça que tudo o que escorrega pelo cérebro, pelo coração e pelo útero, femininamente se transforma nos sonhos daquela menina que não gostava de ser criança, que sempre foi alta demais em relação às meninas de sua idade. “Uma menina grande”, como dizia minha mãe.
Hoje, aos 25 anos, nunca deixei de ser uma menina grande. Não sei se sonhei, pensei ou inventei, mas, tenho cereteza, no dia em que eu for embora, direi que irei passar férias em Vênus exatamente no dia da sua conjunção com Saturno. De qualquer forma, guarde meu paradeiro como um segredo...
...Não é bom revelar tudo aquilo que mora no nosso coração.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
(Por Clarice Lispector)
Bem sei que é uma vaidade dizer em plena primavera que eu sei o que é primavera. Às vezes porém sou tão humilde que os outros me chamam a atenção. É uma humildade feita de gratidão talvez excessiva, é feita de um eu de criança, de susto também de criança. Mas, desta vez, quando percebi que estava humilde demais com a alegria que me era dada pela vinda da primavera chuvosa, dessa vez apossei-me do que é meu e dos outros.
Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar, que talvez seja o meu próprio pólen, sinto estremecimentos à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou viva. A primavera torturante, límpida e mortal que o diga, ela que me encontra cada ano tão pronta para recebê-la. Bem sei que é uma perturbação de sentidos. Mas, por que não ficar tonta? Aceito esta minha cabeça à chuva tremeluzente da primavera, aceito que eu existo, aceito que os outros existam porque é direito deles e porque sem eles eu morreria, aceito a possibilidade do grande Outro existir apesar de eu ter rezado pelo mínimo e não me ter sido dado.
Sinto que viver é inevitável. Posso na primavera ficar horas sentada fumando, apenas sendo. Ser às vezes sangra. Mas não há como não sangrar pois é no sangue que sinto a primavera. Dói. A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
seguir em frente nem sempre é avançar.
mas a minha mensagem sobre a vida e a fotografia é curta e doce: "mantenha a simplicidade".
(Para Rick Van Pelt)
domingo, 16 de outubro de 2011
o passado é agorinha
(Por Ana Guadalupe)
a solução para os desastres do presente
é falar do agora com o distanciamento de uma década
dias de tardes longas ou infinitas semanas
recortar o agora e mandá-lo em carta histórica
para outro continente enquanto se descobre este
cria-se um tempinho para que o conheça com calma
aplicar um filtro de antiguidade no agora
empregar tecnologia, tempo verbal e a colaboração de todos
grato, ass: o síndico
ótimo álibi para tudo dizer sem problema:
“ontem gostei muito deste livro sobre o sucesso na vida noturna”
“pensei em você durante horas, já passou caso não queira”
“do contrário confesso que tudo continua”
qualquer besteira será automaticamente redimida
já faz tempo, tudo muda, você pode ser nova pessoa
o que falei há pouco já está na quinzena passada
há uma linha era ok ser idiota